Caída do teto alto, em plena varanda, a corujinha se esconde atrás de um vaso de plantas. Ainda não sabe voar. Apanho o viveiro vazio de pássaros, no porão, guardado para as emergências.
Todos os anos, no mês de maio, sucede a mesma coisa. Enquanto os pais saem para os seus passeios diurnos, voltando ao anoitecer com insetos e outras iguarias nos bicos, para saciar a fome do filho, a corujinha vai ficando mais esperta, começa a querer ver o mundo lá de fora e acaba – desastrada – despencando do ninho sempre feito no alto da minha mansarda. Por isso conservo o viveiro, e depois de limpá-lo, colocar água e endireitar os poleiros, coloco, com todo o
cuidado, o filhote dentro, e vou também para o jardim procurar alguma coisa para ele comer, enquanto os pais não chegam. Uma minhoquinha aqui, um inseto ali – e lá volto eu sabendo que outra vez vou passar, por uns tempos, cuidando da Anabela. Sem saber se é
macho ou fêmea, desde que a primeira corujinha, caiu, há anos, todas são chamadas por mim de Anabela porque, nos meus tempos de rapaz tive uma namorada com esse nome, com olhos amarelos, e que me marcou por muitos motivos que, até por timidez, não devo expor aqui.
Voltando à corujinha: ao anoitecer chego na varanda e fico a espreita. De repente, num fio de telefone distante uns dez metros, pousa o casal de corujas, trazendo as iguarias nos bios e nos estômagos. Colocado num lugar estratégico, já agora debaixo de um foco de luz para facilitar as coisas, pai e mãe descobrem a corujinha
já nem acomodada no viveiro. Demoram um pouco para entender os acontecimentos mas acabam por perceber que alguma arte ela fizera,
mas que estava segura, entre amigos. Quem sabe elas mesmas não tenham passado por essa experiência, nos anos anteriores, fazendo seu ninho no alto da mansarda e vendo o filhote despencar na varanda para acabar dentro do viveiro, esperando crescer? Seja como
for acabam por voar até onde o filhote está e ele logo se chega para devorar os quitutes que trouxeram. Quando a comilança acaba, o casal voa de novo para o fio telefônico e fica lá, durante toda a noite.
Continuo catando larvas e insetos, limpando o viveiro e cuidando da Anabela até de novo a noite aparecer.Quando o sol se vaio nós quatro de novo nos encontramos, como se fôssemos uma família. Enquanto isso a corujinha cresce, já abre as pequenas asas, chega perto da porta do viveiro onde pára, pensativa. Pego-a, coloco-a sobre
a mesa redonda da varanda e assisto suas tentativas de começar a voar, sem sucesso. Repito a operação, já agora à noite, na presença dos pais. Eles sabem que falta pouco para os três irem embora. Eu também sei, mas estou com o espírito preparado para isso. Quando ouvir, nas noites escuras, pios de corujas, saberei que são elas três, pousadas no fio do telefone, mandando recados para mim.
E o viveiro, no porão vazio, aguarda para cumprir a sua parte, quando o próximo maio chegar. Como eu, também.
Théo Drummond